Por que países europeus se afastam de Israel

Flávio Aguiar -

Os países europeus vêm enfrentando problemas econômicos graves, com tendências recessivas variadas conforme as condições de cada um deles, e agravamento de tensões sociais. Uma crise com países muçulmanos e árabes agravaria tal situação

 Perante o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, a sempre comedida Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia, órgão executivo da União, fez um dos pronunciamentos mais contundentes de sua vida. Depois de atacar a Rússia pela guerra em curso na Ucrânia, o que já era esperado, fez uma veemente condenação da ação do governo israelense em Gaza, dizendo que usar a fome como arma de guerra é inaceitável. Defendeu a solução dos dois estados, propôs a suspensão de várias frentes de cooperação com Israel, ressalvando algumas, como a do financiamento do Museu do Holocausto. Falou em sanções contra ministros israelenses extremistas e também contra colonos que ocupem terras palestinas na Cisjordânia. Exortou a adoção de sanções comerciais contra Israel e comprometeu a Comissão com a proposta de financiamento da reconstrução de Gaza para os palestinos, algo diametralmente oposto à proposta de expulsá-los de lá e criar uma “Riviera no Oriente Médio”, conforme declaração do presidente Trump tempos atrás.

 Ficou no ar a pergunta: por que tanta ênfase, depois de mais de dois anos de omissão europeia generalizada diante do genocídio praticado pelo governo israelense em Gaza e da renovação de atrocidades na Cisjordânia?

 Há várias hipóteses para tanto, sendo a pri ncipal delas a conjunção de todas.

  1. O pronunciamento de von der Leyen aconteceu depois de um grande número de governos europeus, liderados pela França e pelo Reino Unido, terem declarado reconhecimento de um Estado Palestino, embora este reconhecimento seja virtual, porque este Estado, na prática, ainda não existe. Tal atitude por parte destes governos deve ter por motivo a expressiva presença de muçulmanos e árabes em seus territórios, sobretudo na França. Há o temor de represálias vingativas pelo que acontece em Gaza, sob a forma de ataques terroristas ou protestos políticos que agravem a fragilidade de muitos destes governos, como também é o caso da França.
  2. Os países europeus vêm enfrentando problemas econômicos graves, com tendências recessivas variadas conforme as condições de cada um deles, e agravamento de tensões sociais. Uma crise com países muçulmanos e árabes agravaria tal situação. As relações comerciais com pelo menos seis países árabes, incluindo a Arábia Saudita, é crucial para os países europeus. A Europa importa petróleo e derivados dos países árabes e exporta para eles sobretudo maquinário industrial, produtos químicos e meios de transporte. A importação de petróleo é vital, sobretudo neste momento em que o fornecimento de gás russo está comprometido ou amaçado devido ao clima conceituado com Moscou.
  3. As atitudes do governo de Israel, em represália ao ataque de 7 de outubro de 2023, passaram de todos os limites imagináveis, com a destruição genocida de Gaza, provocando a morte de mais de 60 mil palestinos, incluindo mulheres, crianças e idosos, o assassinato de pessoal médico e de jornalistas, a violência do Exército e dos colonos israelenses contra palestinos na Cisjordânia, com a violação de todas as normas do direito internacional, culminando com o recente atentado contra dirigentes do Hamas em território do Qatar. Tal violância tem provocando reações internas na Europa, incluindo pressão de funcionários da União em Bruxelas e Estrasburgo para que a UE tome atitudes vigorosas contrárias a tais arbitrariedades.
  4. O pronunciamento de von der Leyen visa também retomar algum protagonismo da União em momento em que sua presença geopolítica está fragilizada por dois fatores. Primeiro, há sua seguida subserviência diante das políticas e imposições de Donald Trump, sejam as tarifárias ou as que exigem maiores despesas armamentistas, além da compra de gás e de outros produtos norte-americanos, e pressões contra a China. Distanciar-se de Israel é um modo de mostrar independência em relação a Washington, mesmo que ela seja muito relativa. Segundo, Israel também é um fator de divisão na UE. Se França e Reino Unido (por fora da União) pressionam por um reconhecimento do Estado Palestino, e têm seguidores, Alemanha e Hungria se opõem a tal movimento, e também têm seguidores, embora em menor número. Assim, a atitude de von der Leyen visa “botar alguma ordem na casa”, reiterando a liderança por parte dos órgãos centrais da UE diante de um contexto adverso de fragmentação do conjunto.

 Em último lugar, deve-se assinalar que a atitude da líder da Comissão Europeia e dos países que se comprometem com o reconhecimento do Estado Palestino deveria servir de alerta ao povo israelense e aos judeus do mundo inteiro. Apesar do tom arrogante de Netanyahu e da extrema direita israelense, o fato é que Israel está cada vez mais isolado na cena internacional, dependendo completamente do poder de seu lobby reacionário nos Estados Unidos. Tais atitudes por parte do governo israelense estão colocando o país numa espécie de túnel sem luz no seu fim. E quanto ao resto do mundo, deve-se reconhecer que o persistente antissemitismo tem raízes religiosas, culturais e racistas milenares, e que hoje seu maior promotor é o governo de Netanyahu e seus comparsas da extrema direita israelense.

 

[Artigo tirado do Boletim no. 13, setembro de 2025, do Observatório internacional do século XXI]

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